quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Experiência e aprendizagem.

Este texto também é um fluxo de pensamento e ideias, geradas para, com e a partir de um curso que ministrei para educadores de espaços formais e não formais, na Casa M - 8ªBienal do Mercosul, em julho de 2011. (Diana Kolker)


Vivemos em um tempo de transbordamento de informações (visuais, textuais, sonoras, olfativas). É importante estar informado, ter opinião sobre o que se passa no bairro, na cidade, no país, no mundo.Somos cotidianamente atropelados por uma grande sucessão de fatos, com os quais temos que lidar, responder, resolver, opinar. Nos preocupamos com o trabalho, com a vida pessoal, com as contas a pagar, com algum programa de televisão. Tudo acontece com muita velocidade e muitas vezes, temos que dar conta de vários assuntos ao mesmo tempo. Pense nos seus percursos cotidianos, nos seus trajetos, na sua rotina. Os acontecimentos que nos atravessam diariamente costumam ficar guardados na memória por um longo tempo?


A velocidade com que nos são dados os acontecimentos dificultam a conexão significativa entre eles. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos ocupam por um momento, mas passam sem deixar vestígio. No entanto, às vezes acontecem situações que nos tomam, nos tocam, nos marcam. Isso é o que Larrosa chama de experiência. Segundo esse autor, a experiência é algo individual e intransponível. Não é algo que possa ser transmitido de uma pessoa a outra. Uma pessoa pode ter sozinha uma experiência com um trabalho artístico, um filme, um livro ou mesmo uma situação cotidiana. Mas outras pessoas podem passar pela mesma situação e não lhe ocorrer o mesmo. Portanto, não pode haver uma fórmula para provocar experiência. Isso, porque, mais uma vez, segundo Larrosa: “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.”Daí nosso desafio como educadores. Ainda assim podemos pensar caminhos que sejam favoráveis à experiência.

John Dewey, um teórico estadunidense do final do século XIX, escreveu um livro chamado Arte como Experiência, onde ele distinguiu um tipo especial de experiência dessas experiências comuns. Segundo ele, as experiências acontecem o tempo todo na vida da gente, no entanto, a maioria delas são incompletas, porque somos interrompidos, ou mesmo por uma certa letargia interna. Em contraste com essas experiências incompletas, ele explica que temos uma experiência quando ela segue seu curso até sua realização. Ela é um movimento continuo e integro até sua consumação. Quer dizer, ela não seria interrompida, mas consumada. A Milene Chiovatto, que é coordenadora do educativo da Pinacoteca do estado de São Paulo, explicou o conceito de experiência segundo Dewey de uma forma muito suave e divertida. Sua fala aconteceu em uma palestra realizada no curso de formação de mediadores, que promovemos na Fundação Iberê Camargo, em 2010, quando o educativo era coordenado por Luciano Laner. Ela contou que tem uma pizza em um determinado restaurante de São Paulo e a primeira vez que ela comeu sentiu um prazer intenso a cada garfada: o queijo esticava, quentinho, tinha a quantidade exata de todos os ingredientes, não estava gordurosa, a massa crocante, no ponto e espessura certa. Enfim, a pizza era tão maravilhosa que toda vez que ela come pizza, ela pensa naquela específica. Porque aquela pizza se tornou uma referência do que é pizza para ela. Dewey traz o exemplo de uma tempestade. Uma tempestade, que em sua fúria, parecia resumir em si própria tudo o que uma tempestade pode ser. Ela completa e ao mesmo tempo, destacada de todas as tempestades que aconteceram até então. Em tais experiências, cada parte flui livremente. O todo da experiência é composto de partes diversificadas, heterogêneas, mas que tem uma integração interna e conduzem para um clímax. Quer dizer, a experiência de Milene com a pizza começa na escolha do sabor, na espera, na fome no cheiro do ambiente, na chegada de sua pizza e no aroma que emana dela, na primeira garfada, na segunda, na sua consumação. Para Dewey a arte tem um grande potencial para desencadear esse tipo de experiência. Segundo esse autor, o exercício de quem percebe a obra de arte é distinto, mas próximo de quem a produz, pois na experiência que realmente pode ser considerada estética, quem percebe reconstrói conceitualmente a obra para si. A experiência produz uma transformação. Torna-se uma referência, se agrega a nossa subjetividade.


Podemos pensar a visita a exposição como parte integrante dessa experiência, o entre, talvez o clímax que o Dewey fala. No entanto, ela pode começar antes, talvez na sala de aula, no preparo para a exposição e se consumar no retorno a sala de aula. Agora, essa consumação não deve ser entendida como um encerramento, um fechamento, visto que a experiência significativa, sempre se desdobra na vida, no tempo.

Pude perceber empiricamente, em minha atuação como educadora que basta elaborar uma boa questão, ou traçar algumas relações, para que a pessoa siga um fluxo incrível de percepção e pensamento. E sim, isto pode configurar uma experiência, porque ela não ocorre apenas através de atividades práticas ou manuais. Ela também pode se dar através de uma boa conversa, um debate, até mesmo da contemplação, palavra feia na contemporaneidade. Mas nem sempre se alcança isso sozinho, independente do nível de educação de freqüência em exposições e de acesso a bens culturais.

Outra questão muito importante de se pensar é o papel da informação e de que modo trabalhar com ela. Pensemos o seguinte caso. A turma tem uma visita agendada no Santander Cultural, onde estará obra do artista homenageado da 8ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, Eugenio Dittborn. O professor, no intuito de prepará-los para visita, estuda a biografia do artista e o material divulgado sobre a sua obra, (incluindo interpretações de curadores, críticos, historiadores) e dá uma aula expositiva transmitindo todas informações para seus alunos, acompanhada por imagens das obras. Será que antecipando as informações e leituras sobre os trabalhos, não estaremos fazendo o oposto da experiência? Qual seria a alternativa então? Conhecer e pesquisar previamente o trabalho do artista é muito importante. Aliás, é importante que o professor visite a exposição antes de levar a turma e tenha acesso aos textos dos críticos, curadores, historiadores também. Mas no lugar de adquirir essas informações e repassá-las aos alunos, podemos criar uma aula, ou um projeto de trabalho, onde os assuntos que perpassam essa obra sejam abordados. Pode ser uma oficina ou uma aula teórica, expositiva. Aí entra de novo a proximidade com as teorias construtivistas de educação. Isso serve tanto para o professor em sala de aula, quanto para o mediador na exposição. Se nós, diante ou não da obra, entregamos para o grupo uma informação pronta e fechada sobre ela, nós não só estamos matando a possibilidade de haver uma experiência, como estamos matando também a obra. A obra, porque nós estamos encerrando ela em uma interpretação que ou é minha, ou do curador, ou de um crítico ou um historiador e a experiência porque o sujeito fica passivo, ele pode agregar um novo saber sim, a partir da informação, mas não uma experiência.


Outra questão que me parece importante, é o fato de que muitos estudantes nunca visitaram uma exposição. O próprio deslocamento da escola para o local onde acontece a exposição, já pode ser uma experiência significativa. São conhecidas histórias em que as turmas ficam mais impressionadas com os prédios do que com a exposição em si. E aí, o que fazer? Também é importante que eles se sintam a vontade nesses espaços, que se apropriem da cidade. Então conversar com eles sobre o local onde acontecerá exposição, perguntar se eles conhecem esses locais, questioná-los sobre suas expectativas com a visita, o que eles esperam encontrar na exposição, qual é a concepção deles de arte, se a arte faz parte do cotidiano deles, explicar que a turma será acompanhada por um mediador, que irá conversar com eles sobre os trabalhos, que a visita é participativa, que eles terão espaço para expressar as idéias deles, enfim. Me parece um bom caminho para começar.

Referências Bibliográficas:
DEWEY, John. A arte como experiência. SP: Editora Martins Fontes, 2010.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. 2002. In: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf

Um comentário:

  1. Que texto bom de ler, Diana, agradeço! Eu não conseguia entender muito bem onde entrava a criatividade do professor numa sala de aula, mas com a própria experiência com a arte-educação (e com o trabalho de vocês) passei a compreender que o professor não é aquele que professa algo, mas que oferece espaço para criAÇÃO, educAÇÃO. Ficou mais claro pra mim o Entre de que o Deleuze fala. Acho que uma obsessão por professar as informações que acumulamos tem muito a ver com a insegurança que sentimos quanto a nossa própria criatividade e dos outros num mundo em que parece estar tudo pronto. Muito legal mesmo o teu texto, acho que rolou uma Experiência por aqui, um Entre, sincronicidades. Grande abraço! Ana

    ResponderExcluir