sábado, 19 de março de 2011

Experiência entre.

Diana Kolker

Em fevereiro de 2011, uma turma escolar de nível médio visitou o Festival de Linguagem Eletrônica (FILE), acompanhada por sua professora. A mostra apresentava trabalhos que convergiam com diversas áreas do saber incluindo artes, física, botânica, eletrônica, linguística, literatura, sociologia, entre outras. Havia uma grande variedade de ferramentas tecnológicas utilizadas pelos artistas na criação de seus trabalhos.Utensílios muito comuns no universo dos jovens, sejam como objetos de uso cotidiano ou como objetos de desejo. A maioria dos trabalhos expostos era de cunho interativo. Após circular pela mostra e interagir com alguns trabalhos, o grupo se distribuiu pelo espaço expositivo a fim de realizar uma atividade proposta pela professora. Perguntei a um dos alunos qual era a atividade. Ele me respondeu que deveria escolher um trabalho e desenhá-lo. A primeira questão que me ocorreu diante de tal situação foi: por que a professora propôs tal atividade?

Eu já havia presenciado situações semelhantes em exposições de pintura e desenho. Apesar de não considerar a atividade tão profícua para uma experiência educativa, podia perceber os objetivos do professor e algum sentido na proposta. Eu mesma já propus atividades de desenho de observação, que considero muito ricas, quando não caracterizam uma ilustração vazia do passeio ou um mero exercício manual. Todavia, no caso narrado, a maioria dos trabalhos expostos não tinha o desenho como linguagem e tampouco despertava problemáticas nesse campo. No entanto, havia neles a possibilidade de desenvolver muitas atividades, seja exclusivamente no campo da arte, ou em outras áreas do saber. A exposição como um todo também poderia render muitas propostas interessantes. Tendo em vista que utensílios cotidianos eram utilizados como ferramentas para trabalhos artísticos, os alunos poderiam usar suas próprias ferramentas para um trabalho criativo. O celular, por exemplo. Este aparelho, que é muitas vezes relatado pelos professores como um transtorno em sala de aula, poderia se transformar em um aliado pedagógico. Mas afinal, qual seria o objetivo dessa professora?
Não tive a oportunidade de conversar com a professora, portanto não poderia responder essa pergunta, mas penso em uma explicação. É apenas uma possibilidade, mas acredito que responda a minha questão e que sirva para pensar um pouco, ainda que superficialmente, algumas práticas pedagógicas no campo da arte. Com a reforma na educação do estado de Pernambuco, proposta por Carneiro Leão, na década de 30, difundiu-se uma interpretação equivocada do conceito de experiência criado pelo teórico americano John Dewey. De acordo com essa interpretação atividades manuais, dentre elas o desenho, seriam ideais para a criança organizar e fixar os conteúdos ensinados em sala de aula. Esse seria o papel fundamental da arte, um instrumento lúdico para absorção. Provavelmente, vocês vão se lembrar de finalizar um tema de aula com uma ilustração. No entanto, o que mais espanta é a continuidade da utilização deste método. O conceito de experiência consumatória que Dewey criou, ao contrário da forma que foi interpretado e aplicado, não consistia em uma atividade prática no final de um processo de aprendizagem. A experiência, conforme esse autor perpassa todo o processo de aprendizado.
Mas de que maneira essa professora poderia ajudar a promover uma experiência na referida exposição? Segundo o autor Jorge Larrosa, a experiência é algo individual e intransponível. Não é algo que possa ser transmitido de uma pessoa a outra, ou seja, é inteiramente singular. Uma pessoa pode ter sozinha uma experiência com um trabalho artístico, um filme, um livro ou mesmo uma situação cotidiana. Mas outras pessoas podem passar pela mesma situação e não lhe ocorrer o mesmo. Isso, porque, mais uma vez, segundo Larrosa: “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca.” A experiência produz uma transformação. Torna-se uma referência, se agrega a nossa subjetividade, transforma-se em uma ferramenta interna. E nesse caso, o educador (e aqui me refiro ao educador em espaços formais e não formais) pode atuar como um disparador dessa experiência. Pude perceber empiricamente, em minha atuação como educadora em espaços não formais, que basta elaborar uma boa questão, ou traçar algumas relações, para que a pessoa siga um fluxo incrível de percepção e pensamento. E sim, isto pode configurar uma experiência, porque ela não ocorre apenas através de atividades práticas ou manuais. Ela também pode se dar através de uma boa conversa, um debate, até mesmo da contemplação, palavra feia na contemporaneidade. Mas nem sempre se alcança isso sozinho, independente do nível de educação e de frequência em exposições.
Mas como eu disse anteriormente, os trabalhos expostos na mostra eram, em sua maioria, interativos. Os leitores podem me questionar: ora, se pressupõem participação, isso não significa que o interator está tendo uma experiência com o trabalho? Não, não mesmo! Se concordarmos com o que disse Larrosa – e eu concordo - a experiência não é o que toca, mas o que nos toca. Sem pensamento, sem criação, o que fica é apenas uma relação operacional com o trabalho, que pode ser até divertida, mas será brevemente esquecida. Nesse sentido, a atividade proposta pela professora, não foi nem divertida, foi apenas uma tarefa. O estudante que me informou sobre o teor da atividade, estava procurando o trabalho mais fácil de desenhar, não o que mais o tocou, conforme era proposto. Também não foi técnica, já que nem as questões específicas do desenho foram desenvolvidas. Não criou um campo possível para experiência, já que de forma alguma ajudou a levar o contato com a mostra a um nível mais profundo e criativo. A professora já teve uma iniciativa bem legal ao levar sua turma à exposição. Mas falta ainda, à Escola e ao professor perceberem os museus e centros culturais como grandes aliados para a educação formal e se apropriarem desses espaços elaborando projetos de trabalho que realmente contribuam na formação dos estudantes. Essa experiência, conforme a experiência consumatória de Dewey pode começar na sala de aula, passar pela exposição e voltar para escola ou para a comunidade. Cria-se, assim, uma rede, onde a visita à exposição não é um percurso com início ou fim, mas uma experiência entre as anteriores e as futuras.

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