sábado, 5 de fevereiro de 2011

Para Pensar com Ana Claudia de Oliveira*

"O papel da recepção
Evidentemente, passo a passo, foram as mutações do papel do receptor geradas pelas transformações mesmas da concepção de arte. De fenômeno acabado, centrado na obra que nos devolve uma imagem cuja significação se articula no ato de contemplá-la, a obra torna-se fenômeno processual e só se efetiva nas ocorrências interativas com o outro que, portanto, de contemplador passa a atuar como seu actante. As ambientações artísticas do tipo performances, happenings e instalações concretizam esse tipo de processo de invenção, programado para atualizar-se somente durante a visitação do público. Em última instância, espera-se desse outro que se ponha em relação com a obra e dela participe inteiramente, não somente por intermédio de seu intelecto, mas de toda a sua rede sensorial pois é, inclusive, contando com a sensibilidade do corpo inteiro do visitante que a obra se completa. (...) Na Arte Contemporânea, não há recepção sem essa atuação do sujeito em nível criativo, pois as obras não saem mais prontas dos ateliês ou das oficinas. Sem o receptor aderir à obra e nela desempenhar os papéis que lhe forem determinados, a obra não se completa.

O artista
Desde sempre, o artista desempenha a função de convocar o olhar para o que antes não era visto. Todavia, no século XX, restringir-se meramente a esse chamamento não é mais suficiente. Imerso numa atmosfera de apelos, manipulado pelas cores e outras formas da sedução cultivadas pela sociedade de consumo, o sujeito desenvolve anticorpos para não sentir mais. Seus sentidos adormecem,justamente para resguardá-lo. Todavia, nessa medida protetora, inserem-se outros tantos perigos que estimulam o artista a intervir. Para a sua ação, ele põe em cena nas obras os primeiros sentidos, aqueles fundamentais para a apreensão das coisas do mundo. Deliberadamente, o artista quer reacordar os sentidos do sujeito e levá-lo, através da estimulação sensória, a sentir o mundo por si próprio, reanimando o que nele estava anestesiado para ver, ouvir, degustar, aspirar, tatear e, pelas vias do seu corpo, re-encontrar o prazer de sentir prazer estético."

Este texto é de autoria de Ana Claudia de Oliveira, páginas 89, 90 e 91, em:
PILLAR, Analice Dutra (org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 1999.


Observação: acho que, após ler este texto, cabe bem esta frase do Nietzsche: "O homem que não quer pertencer à massa só necessita deixar de comportar-se comodamente consigo mesmo e obedecer à sua consciência que lhe grita: se tu mesmo. Tudo o que agora fazes, opinas e desejas, nada tem a ver contigo".
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Schopenhauer como educador. Edições variadas.

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